A consultora EXX Africa considera que a ajuda financeira do Fundo Monetário Internacional (FMI) a Angola servirá, a curto prazo, para “apagar fogos”, mas o impacto mais profundo será na trajectória das políticas e na atracção de investimento. Tudo isto coincide, importa dizê-lo (até porque modéstia a mais é vitupério), com o que o Folha 8 tem escrito. Apenas varia a ordem que o Governo e nós damos aos “fogos”.
“A s verbas devem ser reservadas para apagar fogos, na forma de derrapagens orçamentais e défices na balança de pagamentos, mas o impacto mais profundo do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) deve ser sentido na trajectória das políticas públicas e na capacidade de desbloquear novos investimentos”, escrevem os analistas numa nota sobre a perspectiva económica para este ano.
“Ao apoiar Angola, o FMI confere o proverbial selo de aprovação sobre as políticas e a trajectória económica definida pelo Presidente João Lourenço”, acrescentam os analistas, vincando que, assim, “é possível que investidores cautelosos possam ser influenciados para apostar na economia previamente envenenada, mas promissora”.
Ou seja, o FMI ajuda o Governo a vender gato por candimba, mascarando o felino e fazendo crer que ele é uma espécie nova que, devido à sai metamorfose, acabará por ser uma lebre. Ou, por outras palavras, que os cientistas de João Lourenço descobriram uma espécie de jacarés vegetarianos…
O Programa de Financiamento Ampliado (Extended Fund Facility – EFF), que surge depois do acordo negociado pelo executivo angolano e o FMI em 2008, visa fundamentalmente a consolidação do ajustamento orçamental.
O programa de assistência financeira, que ficou aquém dos 4.500 milhões de dólares que chegou a ser apontado pelo governo, foca-se na sustentabilidade fiscal, na redução da inflação, na promoção de um regime cambial mais flexível, na estabilidade do sector financeiro, mas também na “promoção do desenvolvimento humano, na reforma do sector público, na diversificação e no crescimento inclusivo”, explicou o director adjunto do FMI, Tao Zhang, numa nota divulgada no princípio de Dezembro por aquela organização.
“De todos os programas que estão disponíveis no FMI para os países em desenvolvimento, Angola optou pela alternativa mais rigorosa do PFA, em vez de escolher o Stand-by Arrangement (SBA) que foi adoptado por vários países africanos”, notam, sublinhando ainda que “este programa é desenhado para as economias a sofrer profundos desequilíbrios de pagamento ou que estão estagnadas, o que se aplica, em ambos os casos, a Angola”.
Este modelo de ajuda, continuam os analistas, “é caracterizado por uma supervisão mais apertada e por um forte foco no ajustamento estrutural, abarcando reformas para lidar com as fraquezas institucionais ou económicas e políticas para restabelecer a estabilidade macroeconómica”.
A escolha e a “disponibilidade para sofrer este âmbito de condicionalismos quando havia opções mais fáceis mostra a compreensão de João Lourenço sobre a extensão das debilidades económicas de Angola”, consideram os analistas da EXX Africa.
É claro que as tais “debilidades económicas” são conhecidas há muitos anos por todos quantos, ontem e hoje, tiveram responsabilidades nos governos do MPLA (os únicos que Angola conheceu) e no próprio partido. Ou seja, de Eduardo dos Santos a João Lourenço.
A imagem de liberalização, modernização e transparência na economia de Angola está já a dar alguns frutos, argumentam, notando que, ainda assim, “na Angola de João Lourenço, as reformas políticas não vão estar necessariamente ligadas, ou acompanhar o ritmo, das reformas económicas”.
Como convém e tal como fizeram no passado, os analistas económicos conseguem sempre ver as mangueiras a dar loengos, a ponto de confundirem o que se esperava de um corredor de fundo (João Lourenço) com o atleta que está no fundo do corredor (João Lourenço). Ver, nesta altura, “modernização e transparência” na economia é o mesmo que ver uma lagartixa com os binóculos ao contrário: parece um jacaré.
A “boa vontade generalizada” que o chefe de Estado de Angola granjeou com as reformas lançadas no ano passado “parece ter sido suficiente para apaziguar as exigências de uma liberalização política mais abrangente”, dizem os analistas, sublinhando que para além do acordo com o FMI, há ainda o exemplo das decisões de investimento da Total em dois campos ‘off-shore’.
Tretas & tretas, MPLA e Cª
O Governo garantiu no dia 27 de Novembro de 2018 que todos os contratos que envolvam a administração já são feitos “preferencialmente” através da contratação pública e visados pelo Tribunal de Contas, que tem fiscalizado processos que não seguiram esta regra no passado.
Na altura, em declarações aos jornalistas à margem da abertura da VIII Conferência dos Organismos Estratégicos de Controlo Interno da Comunidade dos Países e Língua Portuguesa (OECI-CPLP), o ministro da Construção e das Obras Públicas de Angola, Manuel Tavares de Almeida, destacou o “rigor” com que está a ser feita esta reforma.
“Agora, com este novo ciclo de governação, em que se exige mais rigor, mais transparência e qualidade na despesa pública, as instituições que a realizam são obrigadas a cumprir estritamente aquilo que está previsto na lei”, sublinhou, aludindo à Lei da Contratação Pública e às Regras da Execução do Orçamento.
“São dois instrumentos fundamentais que o gestor público deve seguir. No processo de contratação pública existem vários procedimentos, entre os quais alguns contratos que têm de ser submetidos à fiscalização prévia do Tribunal de Contas. Este procedimento já está a ser seguido. Não havendo emergências, os contratos são preferencialmente feitos por via da contratação pública e as obras só deverão começar após o visto do Tribunal de Contas”, acrescentou.
Segundo Tavares de Almeida, os casos que, no passado, não seguiram este rigor, “estão a ser regularizados” pelo Tribunal de Contas, que tem feito a fiscalização sucessiva dos contratos para verificar a respectiva execução física e financeira.
Questionado sobre quantos são os casos em análise, Tavares de Almeida disse serem “alguns”, adiantando, contudo, que “muitos” foram já resolvidos”.
“O cumprimento dos pagamentos também é rigoroso, porque o sistema do Ministério das Finanças não permite pagamentos além do valor do contrato. Estamos também a trabalhar na regularização das situações do passado e daqui para a frente só trabalharmos com situações administrativamente regularizadas”, concluiu.
A Lei da Contratação Pública, tal como as Regras da Execução do Orçamento, terá com certeza (como garante João Lourenço) excelente resultados, tal como teve – aliás – a Lei da Probidade Pública número 3/10, de 29 de Março, inscrita no Diário da República, I Série nº 57, um diploma que (supostamente) iria reforçar os mecanismos de combate à cultura da corrupção, por forma a garantir o prestígio do Estado e das suas instituições públicas.
“A lei reflecte a vontade e o esforço do Estado angolano em moralizar o exercício das funções públicas e combater a corrupção”, afirmou, em Luanda, o magistrado do Ministério Público, Luís de Assunção Pedro da Mota Liz, durante uma palestra sobre este diploma.
Trata-se de uma norma deontológica que se for integralmente observada não haverá terreno para corrupção no país, asseverou em Novembro de 2011 o assessor do Procurador-Geral da República, precisando que a lei prescreve princípios e deveres a serem observados pelos servidores públicos na sua prestação.
Como todos sabemos, o resultado desta lei foi excelente, a ponto de Angola continuar a ser um dos países mais corruptos do mundo.
Mota Liz acrescentou que o diploma estabelecia um conjunto de normas que devem pautar a actuação de todos os agentes públicos, destacando-se o da igualdade, da probidade pública, da competência e do respeito pelo património público.
Continha (contém) igualmente princípios da imparcialidade, da prossecução do interesse público, da responsabilidade e responsabilização do titular, do gestor, do responsável, do funcionário, da urbanidade, da lealdade às instituições, entre outros servidores.
Mota Liz referiu igualmente que a probidade pública, enquanto princípio, estabelece que o agente público pauta-se pela observância de valores de boa administração e honestidade no desempenho da sua função.
Ou seja, acrescentou, nesta condição o servidor não pode solicitar, para si ou para terceiros, quaisquer ofertas que ponham em causa a liberdade da sua acção, a independência do seu juízo, bem como a credibilidade e a autoridade da administração pública.
Concertação social para consertar o quê?
O Governo do MPLA, 43 depois de ter o país nas suas mãos e o dinheiros nos seus bolsos, propõe-se agora – com o brilhantismo propagandístico que lhe é conhecido – reduzir o índice de pobreza extrema em Angola de 36,6% da população para 25%, equivalente a cerca de três milhões de pessoas, até 2022, investindo anualmente mais de 160 milhões de euros.
A promessa (como centenas de outras) consta do pomposo Programa Integrado de Desenvolvimento Local e Combate à Pobreza, aprovado em Junho por decreto assinado pelo Presidente João Lourenço, e que, entre outros objectivos específicos, prevê reduzir os níveis de pobreza extrema a nível rural e urbano, “elevando o padrão de vida dos cidadãos em situação de pobreza extrema através de transferências sociais”, que poderão ser “em dinheiro ou espécie”.
Por pobreza extrema, na definição internacional, entende-se a pessoa que vive com menos de um dólar por dia. E, na verdade que não é a do MPLA, são 20 milhões os angolanos nessa situação.
O Governo estipula igualmente o objectivo de, até 2022, assegurar o aumento do rendimento médio mensal por pessoas e de fazer o registo gradual dos beneficiários da acção social na base de dados da vulnerabilidade. Entre outras medidas, conta-se ainda a promoção do acesso dos cidadãos, “particularmente os mais vulneráveis”, à propriedade e aos factores de produção, como terras, capital, equipamentos e conhecimentos.
“O executivo define como prioridade para o quinquénio 2018-2022 baixar o impacto da pobreza extrema de 36,6% para 25%, correspondendo a cerca de três milhões de cidadãos nessa condição”, lê-se no documento. Em concreto, o programa do Governo prevê planos de intervenção municipal, a vários níveis, que vão custar, por cada um dos 164 municípios, cerca de 300 milhões de kwanzas (1 milhão de euros) anuais.
A descentralização da governação “requer a dotação dos fundos necessários à execução das acções delineadas e de suporte à sua operação local. Caberá às autoridades municipais a gestão dos recursos (físicos, financeiros e humanos) e a sua alocação às acções de desenvolvimento local e combate à pobreza”, aponta o documento.
O primeiro eixo do programa consiste na Ampliação e Promoção dos Serviços Básicos, através de programas como Merenda Escolar, Cuidados Primários de Saúde, Água para Todos, de habitação e infra-estruturas sociais ou de gestão e manutenção das infra-estruturas e vias de comunicação.
O segundo eixo, relativo à Agricultura Familiar e Empreendedorismo, prevê o fomento da produção agro-pecuária, de Equipamentos para Fomento de Micro Empreendimentos e da Operacionalização das Acções de Micro Fomento, enquanto o terceiro eixo é da Comunicação Social, Mobilização e Concertação Social, e o quarto eixo relativo a Serviços e Geração de Trabalho e Renda.
O quinto eixo é relativo à Consolidação do Processo de Reintegração dos ex-Militares e o sexto e último eixo de intervenção prende-se com o Reforço da Desconcentração e Descentralização Administrativa.
Folha 8 com Lusa